sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Pássaros Coloridos

Era um dia de sol... desses que ninguém presta muita atenção...

Uma pequena menina voltava da escola com o uniforme meio sujo de guache e massinha. Ela ia caminhando sozinha pois morava ali perto.

A pequena chorava muito e parou numa pracinha. Sentou-se num banco ao lado de um moço bem velhinho e não se incomodou com a presença dele. Chorava como se quisesse secar todas as lágrimas que possuía. Eram tantos soluços que não era capaz de falar e sendo assim, mesmo preocupado, o velhinho ficou calado e não procurou consolá-la.

Permaneceu sentado onde estava alimentando os pássaros com pedacinhos de biscoito.

A menina foi se acalmando e prestando atenção nas cores dos pássaros e em como eles se aglomeravam perto do velhinho buscando aquele alimento. Quando seus olhos ficaram apenas úmidos e a voz pode sair, perguntou pro velhinho...

_ Moço, quantas cores tem os pássaros??

E o velhinho disse:

_ O mesmo numero de cores dos seus sonhos e das manchas do seu uniforme, pequena criança.

E a conversa continuou...

_ Sim... meu uniforme está manchado... mas meus sonhos não tem cor. Porque??

_ Porque precocemente você entendeu que nem sempre que somos coloridos por fora, somos felizes por dentro.

_ Porque dói tanto, moço?? O que causa essa dor?? Acho que estou doente... será que minha mãezinha ainda tem força pra me levar ao médico?? Ela também não tem boa saúde. Moço... se essa dor me matar... quem vai fazer companhia pra minha mãezinha??

E ela passa a chorar compulsivamente... Daí o velhinho mostra os pássaros que ficam e os que voam...

_ Querida, por que alguns pássaros voam e outros ficam??

E entre suspiros e lagrimas ela responde:

_ Porque os que ficam sentem mais fome... querem mais biscoito. Os que foram já estavam satisfeitos.

_ Então assim também acontece com as pessoas, minha pequena. Se precisamos ficar, ficamos... se não há mais motivo pra ficar, partimos. Cada um tem seu tempo. Não depende de nós. Mas você ainda é muito pequena e parece ser saudável pra dizer que morrerá antes da sua mãe. O que causa a sua dor?

_ Ajuda moço... por favor... dói demais... ( e mais lágrimas)

Alguns minutos depois ela continua...

- Eu não posso ficar triste perto da minha mãezinha porque senão ela piora... pobrezinha... não pode nem sequer me pentear os cabelos. Eu sou pequena, moço... queria brincar... mas não posso ficar muito tempo na rua... queria aquelas roupas legais e aquelas bonecas bonitas que as meninas da minha classe tem... mas eu não posso ter, moço... e por isso elas não querem brincar comigo... eu sou diferente, moço... ninguém consegue ver e nem ouvir os meus amigos e por isso me chamam de doida... eu sei que não sou... mas se eu sou normal, porque sai tanta água das minhas mãos e pés??

E ela continua...

_ Meu paizinho se foi segurando as minhas mãos, moço... ele não tinha nervoso por elas estarem sempre molhadas... e ele me explicava coisas sobre o céu , a terra e o mar... aprendia mais que na escola... mas quem me ensina as coisas hoje, moço?? Quem?? E pra terminar, moço... como todo mundo me acha doida... acabei perdendo uma coisa muito importante pra mim...

_ Uma menina tão pequena já sabe o que tem de mais importante na vida?

_ Sim moco... um rapaz muito formoso carregou o meu coração e com tudo isso dói aqui no peito porque agora ele ta vazio... Ta faltando um pedaço, deve ser isso n’e, moco??... ta doendo demais... (e mais lagrimas)

O velhinho olhava aquela menina tão bela... tão cheia de cachinhos, vida e sentimento e se pegou pensando como seria a vida dela em alguns anos... certamente se tornaria friamente racional e perderia os sonhos que praticamente já estavam perdidos.

Ele pegou alguns biscoitos, colocou na mãozinha dela e disse...

_ Pequena, me ajuda a alimentar os pássaros?

E ela abriu um sorrisinho amarelo no canto da boca... pegou os biscoitos e abriu a mao... rapidamente vieram 2 pássaros bem coloridos pousar nos braços dela pra pegar os biscoitos. Fizeram cócegas e ela sorriu... e que sorriso puro...

Ela se distraiu com os pássaros e com as cores que eram mais vivas ao sol. Demorou pouco tempo pra que se sentisse melhor. Passados alguns minutos ela se assustou...

_ Moço, tenho que ir pra casa... minha mãezinha vai se preocupar e ela não pode se aborrecer.

_ Vá pequena. E quando tudo na vida parecer triste demais, sente-se um pouco pra alimentar os pássaros e deixá-los voar. O seu pássaro preferido pode te deixar... e vc vai se recordar das cores brilhantes dele e ate chorar de saudade, mas lembre-se que nos momentos que passaram juntos, brincaram felizes e enquanto houver biscoitos e uniformes borrados de tinta, haverão novos pássaros coloridos pra te alegrar. Basta que você pegue um pincel e jogue tinta azul, rosa, verde, amarela, laranja nos seus sonhos.

Ela beijou o rosto do velhinho e saiu saltitante, com os olhos inchados, as mãozinhas suadas, entre pássaros, cores e biscoitos gritando..

_ Nunca mais vou me esquecer de você, moço... nunca mais... espero te encontrar de novo... muito obrigada mesmo por sarar um pouquinho da dor... vou alimentar vários pássaros... não estarei mais sozinha... rosa, azul, verde, amarelo, laranja e um sonho colorido...

Quem olhava na praça, via apenas a menina chorando, conversando, gritando e correndo sozinha. Uns comentavam que depois que o pai faleceu e a mãe adoeceu ela havia enlouquecido, pobrezinha...

Enquanto isso o velhinho permanecia sentado no banco sorrindo com os seus pássaros coloridos (que apenas a pequena conseguira enxergar) muito feliz por fazer voltar um pouco de sonho e cor nos dias daquela criança.

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